sexta-feira, 9 de julho de 2010

Eu Vejo Você.



Finalmente cumpri o currículo e vi Avatar. É uma experiência de tirar o fôlego; você não sente as quase 3h de filme passarem porque o mundo é completamente outro. O lugar é maravilhoso, mas eu quero falar aqui de como o mise-en-scéne passa uma mensagem ecológica maior do que a história ou os diálogos.

Mise-en-scéne. Anelise ficaria orgulhosa. Mas sim, foi o que mais me chamou a atenção. Mise-en-scéne é um coletivo pra tudo que nos é mostrado na tela: a posição da câmera, as figuras em primeiro e segundo plano, tudo isso pode ser analisado. E o que mais chama a atenção no mise-en-scéne de Avatar é como o sistema de cores contrasta entre o mundo da Terra e o mundo de Pandora.

A destruição da Terra é mencionada brevemente mais perto do final do filme, durante a oração de Jake: Não há mais verde na Terra. Eles mataram a Mãe deles, e vão fazer o mesmo por aqui. O mundo da Terra que eu quero dizer aqui são os laboratórios e quartéis espaciais, além do interior das bases militares em Pandora e as minas de (o nome é piada né) unobtanium - unobtainable é algo que não se pode obter, só colocaram o nium pra parecer um mineral. Lindo isso. Tudo é escuro, cinza, árido e estéril. Principalmente estéril.

Em um contraste impressionante, conseguiram criar Pandora como se fosse uma Naboo mais bonita - sempre gostei de como o planeta natal da Padmé era muito bonito em relação à natureza. Não consegui terminar o filme sem pensar como Star Wars, que eu amo de paixão, poderia ter ficado 15x mais incrível visualmente com James Cameron no projeto. Lembrem-se que isso seria praticamente impossível, se bem q o Spielberg, que participou do projeto, esse sim poderia ter dirigido os filmes e melhorado a parte da atuação humana. Continuo defendendo que o George Lucas não trabalha bem com gente. Mas de qualquer maneira, estou desviando do assunto.

Pandora. O verde é o plano de fundo, sim, oposto ao cinza dos humanos, claro. Mas isso é apenas um detalhe. Isso era o esperado. Mas a multitude de cores da vegetação impressiona muito, mas ainda assim, não é essa a maior mensagem do mise-en-scéne de Pandora. A grande mensagem está na LUZ. Tudo brilha quando é tocado por outro ser vivo; o chão pisado, as plantas tocadas, a conexão mental entre os Na'vi e os animais de Pandora - e não só os animais, as plantas, o chão, tudo. Tudo está conectado. Quem inventou o cabo USB capilar merece, olha, um bônus no salário. Que imagem é aquela, gente? Olha a mensagem que isso passa. Que você é parte do mundo, que você não tá aqui pra habita-lo somente, e sim pra interagir com o mundo numa simbiose perfeita. Isso é absolutamente lindo.

Agora, vamos falar da conversão do Jake Sully. Gente, era impossível ele não querer se mudar pra Pandora permanentemente, juro. Primeiro, ele havia perdido o movimento das pernas. (Off-topic: como fizeram as pernas do Sam Worthington ficarem tão magras? Era computação gráfica ou ele fez a preparação física pra tal? Impressionante.) Só a delícia de correr, pular, nadar, já era suficiente. Não fosse isso, o Povo do Céu não era preparado pra ele - só houve dois momentos de preconceito falado, bem no começo do filme, mas por todo o filme aparecem indícios de como um cadeirante corria risco no QG. Em diversos momentos, Jake foi quase atropelado na cadeira de rodas, além de não ter espaço pra locomoção e outros problemas aparentemente menores que Jake, por ser do clã milico (haha, genial) e ser um cara durão, resolvia sozinho. A coisa realmente fica periclitante quando ele tenta alcançar a máscara de respiração e olha que coisa, a máscara de emergência não está na altura adequada pra um cadeirante! Acessibilidade zero nos QGs em Pandora.

Fooora isso, ainda teve o contraste entre a Terra e Pandora - o contraste natural e social, principalmente. O Povo é uma comunidade. Os Na'vi têm contato físico uns com os outros, o que convenhamos, nem hoje em dia nós temos na Terra, é tudo via Internet. Esse contraste também é importante pra conversão do Jake porque ele era um excluído na Terra - não só por ser cadeirante, mas também por não ter dinheiro, não ser muito academicamente inteligente e ter uma patente baixa no Exército (Ele é cabo. Isso é praticamente nada. Tá, cabo dos Fuzileiros Navais, legal, mas dentro dos Fuzileiros Navais não é nada). Fazer parte de um grupo é tudo o que qualquer pessoa quer na vida - aceitação, essa ideia de pertencer a algo, é MÁGICA pra nossa espécie. Fora a existência da Neytiri e a subtrama amorosa, que aqui fica mais em segundo plano do que em Titanic, por exemplo, e isso é ótimo.

O que nos leva a Neytiri e ao tratamento das mulheres no filme. Tanto no núcleo humano quanto no núcleo Na'vi, as mulheres são as mais badasses. Primeiro porque a existência da Sigourney Weaver em qualquer laboratório te dá aquela vibe da Tenente Ripley, mesmo aqui ela sendo pacifista, a vibe ainda tá lá e isso é uma delícia. E todo momento da Michelle Rodriguez em cena... badassness pura. Ela é um modelo de comportamento, e eu creio que não seja coincidência que a resistência humana tenha a única hispânica (ela mesma, Trudy Chacón) e um indiano (Dr. Patel, OI?), além de um nerd, uma pacifista (a Sigourney) e o cadeirante. Continuamos com a mensagem subliminar de que são os párias que realmente fazem a diferença, sim. Mas quem vai reclamar disso, quando somos todos párias? ;)

As mulheres Na'vi têm a mesma divisão de papéis e funções, até onde pode se ver - a não ser pelos líderes do Povo, que perpetuam a mesma velha história de sempre. Machos são líderes guerreiros, fêmeas são líderes espirituais. Enfiei na minha cabeça que a voz da líder espiritual é da Whoopi Goldberg, mas deve ser bobagem minha. Mas faria sentido, não faria? É legal a inversão da donzela em apuros, que é feita em vários momentos onde o Jake está em perigo e a Neytiri o salva, e não sem toda a adorável fúria Na'vi.

Achei interessante também o efeito que o filme me deixou. Eu me senti uma péssima humana, enfiada dentro desse prédio e escondida atrás desse computador, morrendo de medo de uma trilhazinha mixuruca. Uma coisa que eu notei esse semestre dando aula é como a nossa geração não tem espírito de aventura. Ninguém viaja porque ninguém tem dinheiro, e aí eu cito o Lennon: "Meg, não vem com essa. A Madonna foi pra NY com US$300 e coragem." Não somos corajosos. Fomos criados com medo, e desesperados por estabilidade e segurança. Talvez eu mais que a maioria. Odeio isso. Pior é que a Internet nos ajuda a nos mantermos escondidos, com medo de nos machucarmos ou nos decepcionarmos, e eu não sei de vocês, mas isso me frustra.

Agora, como vamos fazer pra mudar? Como vamos começar a entrar em contato uns com os outros e recuperar essa conexão biológica entre nós, e entre a nossa espécie e a vida que brilha à nossa volta? Pensem nisso. Pensem na saudação Na'vi: EU VEJO VOCÊ. Você vê alguém?