quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Proficiência em quê?

Na minha prática como professora particular de inglês, já trabalhei com várias pessoas interessadas em passar no "teste de proficiência" de suas respectivas pós-graduações.

Notou que eu usei aspas pra "teste de proficiência"? Pois é. Eu uso aspas porque, na minha opinião como professora E como tradutora, esse NÃO é um teste de proficiência.

Em essência, um teste de proficiência trabalha com a mensuração da capacidade linguística de uma pessoa em relação a uma língua estrangeira, na maioria dos casos. Esses testes são adaptáveis às necessidades da instituição que está pedindo por esse teste, ou por esse resultado.

Para pós-graduações, a ideia de um teste de proficiência seria responder à seguinte pergunta:

Você conseguirá lidar com o volume de leitura em língua estrangeira que uma pós-graduação geralmente requer?

Ok, então já reduzimos o teste de proficiência pra um teste de proficiência focado em habilidades de leitura. Ótimo. Vamos expandir essa pergunta. Partindo do pressuposto que a pós-graduação se baseia em pesquisa de ponta, não há tempo hábil (nem dinheiro viável) para esperar pela tradução desses artigos, publicados pelo mundo todo em determinada língua estrangeira - que na maioria é em inglês, sim, mas muitas pós-graduações abrem "testes de proficiência" em outras línguas. Nesse texto, vou me ater somente aos "testes" em inglês, por ser da área - e também de que se espera de pós-graduand@s que eles consigam ENTENDER esses textos, seguem as demais perguntas a serem respondidas pelo teste de proficiência:


- Você consegue ler um artigo científico em inglês?
- Você consegue entender o tópico principal desse artigo?
- Você consegue listar os tópicos secundários ou maiores detalhes desse artigo?
- Você consegue resumir brevemente esse artigo em português?
- Você consegue citar alguma informação desse artigo em um trabalho de pesquisa?


Porque ISSO, e somente isso, é o necessário para responder satisfatoriamente à pergunta que se encontra mais acima, em negrito.

Mas vamos lá, vamos encarar a dura e irritante realidade.

A maioria dos "testes de proficiência" de pós-graduações, regidos ou não pelo departamento de línguas estrangeiras de suas universidades, consiste no uso de um texto em inglês, extraído e/ou adaptado de um website (seja ele institucional ou não, acadêmico ou não) ou livro-texto, no qual a instrução para o teste consiste basicamente em traduzir o texto num determinado período de tempo (em média 2h para um texto de cerca de 500 palavras).

(Só um minuto, eu preciso manter a calma e não me perder nos argumentos aqui.)

Isso me incomoda muitíssimo, por uma série de motivos, enumerados abaixo.

1. Desde quando entender um texto e traduzi-lo é a mesma coisa?
Isso é problemático em mais de um aspecto. Primeiro porque para traduzir é necessário, sim, entender um texto mais que completamente, mas o oposto não se aplica - tendo proficiência em inglês é possível entender um texto em inglês, e explicar os núcleos mais importantes de informação usando suas próprias palavras; Segundo, porque a pós-graduação tenciona formar especialistas em suas respectivas áreas, e não especialistas em Tradução. São áreas distintas, que requerem níveis cognitivos diferentes e diferentes habilidades, nem sempre exercitadas em toda pós-graduação. Existem tradutores e revisores para realizar esse tipo de serviço, com o nível de especialização e habilidades adequadas para tal.

2. Na verdade, todos os motivos derivam de certa forma do primeiro, mas vá lá. Existe uma interpretação errônea do conceito de 'proficiência', ou mais especificadamente, 'proficiência em leitura'.
Saber ler e entender o conteúdo do texto. Basicamente, isso é ter proficiência em leitura. Uma possível prova do entendimento do texto pode ser obtida com a criação de uma lista de tópicos e/ou um breve resumo. Em vez disso, é pedida a tradução de um texto para pessoas que não tiveram treinamento algum em Tradução. E eu pergunto, estamos testando 'proficiência'?

3. Os "testes" são geralmente realizados com pouca consulta (apenas um dicionário de papel) ou nenhuma consulta qualquer, e muitas vezes são realizados à mão.
Tradutores nos dias de hoje trabalham com um arsenal de glossários, dicionários, sites de referência e guias de sinônimos, colocações, entre muitos outros. Pós-graduandos não têm treinamento em Tradução, e não têm direito a consulta durante a realização do "teste". Além disso, existem programas de computador e websites que bloqueiam o uso de demais programas durante a execução de um teste, então a realização manual do teste é desnecessária e dificulta a correção, inclusive em termos de caligrafia (caligrafia essa de pessoas que usam o computador para quase tudo o que fazem no meio escrito, academicamente ou não).

4. Esse tipo de "teste" não responde adequadamente a nenhuma das perguntas postuladas por mim acima.
Já trabalhei com pós-graduandos que não tinham proficiência em língua estrangeira alguma e passaram tranquilamente nesses "testes", e alternativamente também trabalhei com pós-graduandos que têm proficiência na língua mas não são aprovad@s. Novamente repito, entender um texto não significa traduzi-lo.

5. O "teste" não se utiliza do texto-alvo de um teste de proficiência para pós-graduação.
Espera-se que os pós-graduandos tenham mais contato com artigos científicos, mas os atuais "testes" utilizam textos provenientes de livros-texto, de websites institucionais, e também de websites caseiros. Existe atualmente uma incoerência entre objetivos, método e resultados. Entendo que os textos devem ser de nível universitário, mas estamos lidando com pessoas graduadas aqui - na maioria das vezes da mesma área, ou de áreas afins.

Com esse texto, mostro algumas das falhas dos atuais "testes de proficiência" para pós-graduações, e peço que esse texto alcance os desenvolvedores e avaliadores de tais "testes", a fim de que possamos debater o assunto e melhorar esse teste que se encontra descompassado com a instituição da pós-graduação.

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